24 de janeiro de 2007

Uma bolsa de mão, uma vida

De dia para dia, o trabalho vai reduzindo drasticamente, não sei se por culpa das festas de Dezembro, se pelo facto das pessoas estarem a adivinhar tempos difíceis.
O trabalho, esse, resume-se aos clientes habituais, alunos, professores, bancários e outras pessoas de fora, há muito que não aparece um serviço para longe, daqueles que enchem a carteira.
Quarta feira, o pior dia da semana, sou chamado via rádio a uma rua no interior da cidade, a parte antiga de Santarém é habitada na sua maior parte, por gente já com alguma idade, são os resistentes, são estas pessoas que sabem todas as histórias de uma cidade, são eles que fazem com que não se perca a identidade de uma cidade antiga como Santarém.
Chego ao local indicado e apercebo-me de um grande alarido, um carro da PSP, parado no meio da rua faz com que o transito não se aproxime, um agente desvia os carros para outra rua, quando chega á minha vez peço-lhe para me deixar ir buscar o serviço ao n.º 32, acede ao meu pedido, mas adianta que é ali que há confusão. Um outro agente, para que a ambulância inicie a sua marcha afasta as pessoas que entretanto ali se juntaram, já mais desimpedida a rua, consigo ver uma mulher lavada em lágrimas e completamente derrotada, algumas pessoas tentam-na reconfortar, avistou o táxi e depressa se abriu a porta, num soluçar tremendo pediu-me para seguir a ambulância até ao hospital, pelo outro lado entrou uma vizinha, ao tentar aliviar a dor da sua amiga, disse-lhe que tudo iria correr pelo melhor, foi nesta altura que ouvi o que até agora ainda me está a incomodar, num gemido de dor e de revolta, articulou quatro palavras, ele já vai morto…. é difícil conviver com este tipo de situações, eu particularmente não sei o que dizer, se fico calado tenho medo de mostrar indiferença, se digo alguma coisa posso fazer com que a dor seja mais violenta. Ai aquele malandro matou o meu homem, repetiu isto varias vezes até chegarmos ao hospital, preferi ficar calado e fui o mais rápido possível, quando cheguei ao hospital já os bombeiros tinham entrado nas urgências, num passo acelerado e sem pedir autorização entrou lá para dentro.
Curioso, perguntei depois á vizinha o que tinha acontecido, o marido da amiga tinha sido alvo de assalto, quando tentou que não lhe roubassem a bolsa de mão, e enfrentando o que parecia ser um drogado, escorregou e bateu violentamente com a cabeça no portal da porta.
Soube depois, algumas horas mais tarde que não resistiu ao embate e acabou por falecer.

A vida é tão ingrata.
No que nós nos estamos a tornar ?

20 de janeiro de 2007

Tudo está bem, quando acaba em bem.

Andava eu por aí a palmilhar kilometros, e em determinado local, um carro que estava estacionado no meio da rua, impedia o trânsito, um qualquer condutor que queria avançar para ir trabalhar, porque nem só de pão, vinho e espectáculos de circo vive uma pessoa, que é como quem diz, trabalhar enaltece…, abriu a janela e gritou para o condutor que estava parado alguns impropérios, que eu não me atrevo a repetir porque se o fizesse ainda vinha a minha avózinha e lavava-me a boca com sabão que é como quem diz, chamava-me a atenção.
O homem gritava e o outro não lhe ligava nenhuma limitando-se a responder-lhe, os cães ladram e a caravana passa, que é como quem diz, fala fala, que não te dou cavaco nenhum. Nisto, o outro deixando de gritar, começou a repetir-lhe nervosamente um qualquer insulto na esperança que ele se fosse embora, porque água mole em pedra dura tanto bate até que fura, que é como quem diz, a persistência compensa.
O Homem que estava interromper o trânsito, já incomodado, disse, é melhor que te cales porque há três coisas na vida que nunca voltam atrás, a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida, que é como quem diz, vale mais pensar bem antes de se dizer qualquer coisa.
O homem chateado não se conteve e gritou: Não vá o sapateiro além dos sapatos, que é como quem diz, não metas a foice em seara alheia. E o outro calmamente limitou-se a responder, longa viagem começa por um passo, que é como quem diz, devagar se vai ao longe, ou até, que depressa e bem, não há a quem.
O trânsito acumulava-se, havia já uma longa fila de gente que buzinava, o homem que estava mais irritado que nunca, estava agora fora do carro e aproximava-se do outro ainda estacionado no meio da rua, gesticulando para ele e gritando, o homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute, que é como quem diz que já tinha dado para aquele peditório e que estava farto de estar a discutir.
O transgressor continuava estacionado e ignorava o mal que causava porque com o mal dos outros podia ele bem, que é como quem diz, era um egoísta.
O homem irritado agora perigosamente, perto da janela do carro estacionado gritou-lhe, vai para o cara..., que é como quem diz, vai morrer longe…, e… ele foi.

18 de janeiro de 2007

Bué, cenas, cota, ya

Chamada à Escola Superior Agrária, anteriormente conhecida como, Escola de Regentes Agrícolas, quatro raparigas surgem do bloco de aulas. Há 30 anos atrás, era impensável que tal acontecesse, mulheres só mesmo as senhoras da limpeza, os alunos esses, tinham carisma e eram vistos como gente nobre, vestiam de ganga, jaqueta e calças azuis, completada por uma bota Ribatejana, o salto, tinha que ser de prateleira e de vira fina, as suissas bem aparadas, e o ar jingão, faziam que toda a gente reparasse neles.
Estação, indicou a rapariga que se sentou ao meu lado, viagem curta, 5 minutos se tanto, mas não suficiente curta para ter que ouvir uma quantidade de barbaridades.
Eia meu, que cena…., o cota passou-se ca gaja, ya dizia uma lá atrás, ficou mesmo agarrado… mas tu viste-me aquela cena da Sara? Fonix meu, é preciso ter coragem… ya, ouviu-se outra vez, mas meu aquela cena é bué da difícil, ya é bué mesmo.
Ainda não tinham dito nada com pés e cabeça, Bué, cenas, cota, ya, se levasse miúdos do ensino básico, ainda vá que não vá, agora estudantes de cursos superiores?
Nunca fui de acordo nem achei muito bem o rótulo de Geração Rasca, mas cuidado paizinhos, a tradição já não é o que era …

16 de janeiro de 2007

Very Important Person

No rescaldo de mais um dia e esperando pelo ultimo cliente de uma terça feira simpática, alinho-me atrás de três ou quatro carros na estação da CP.
A gare de qualquer estação, é um lugar privilegiado para observar as caras de quem ao fim de um dia de trabalho ali chega, tento adivinhar os pensamentos daquelas gentes, alguns mostram tamanha revolta que até o mais distraído consegue perceber, professores, alunos, operários, executivos, administradores, engenheiros doutores ou simplesmente pessoas que andam a passear, dão um colorido ao corredor que antecede o pequeno largo de calçada portuguesa, cá fora e habilmente perfilados, os táxis, como que a convidar para serem utilizados, mantêem as lanternas acesas, a luz verde indica qual o táxi a sair.
As pessoas ordeiramente aguardam a sua vez, os primeiros carros vão abandonado a fila, consigo perceber qual o serviço que me vai calhar, vejo um homem de barba branca e impecavelmente vestido, reconheço-o automaticamente, já o tinha visto chegar á estação várias vezes, nunca tinha tido o prazer de o transportar.
Num passo largo e decidido, como que a fugir de alguém, aproximou-se do carro, abriu a porta e recostou-se, decididamente não quer ser reconhecido, pensei. Uma voz calma e segura ditou a ordem, para a Vila da M…….. se faz favor, a sua figura parece um pouco diferente, na televisão parece mais pequeno, mais forte e com menos cabelo, talvez seja da gabardina creme que veste, mas o que é verdade é que parece outra pessoa, mas não há duvida é mesmo ele.
Sou um ouvinte e leitor assíduo do que escreve e diz, das formas geométricas que aprendi, as que mais me marcaram, foram efectivamente o quadrado e o circulo, quando andava no Liceu, e que me era dada a conhecer a história de Portugal e os seus navegadores, ouve um que me marcou positivamente, talvez pela sua participação no tratado de Tordesilhas, ficou ainda conhecido pelo “Esmeraldo”, talvez venha dai a minha admiração e a minha assiduidade ao que escreve.
Vou pelo caminho, e vem-me á ideia de lhe falar no meu Blog, afinal temos algo em comum, somos os dois blogueiros, quem sabe se me poderia dar algumas dicas de bem escrever… ou talvez até fazer publicidade no seu espaço, claro que seria uma mais valia para ele, não é todos os dias que se conhece um taxista blogueiro.
Fui acordado do meu sonho, a tal voz calma e segura, ouviu-se para me dar uma indicação. No largo em frente á Caixa de Credito Agrícola, corta à esquerda e logo de seguida à direita. Fui dar a uma pequena ruela, ao fundo um beco, foi lá que parei o carro, apressou-se a pagar-me e quando já ia a sair e para que soubesse que não me tinha passado ao lado, disse-lhe, boa noite sôtor, muito obrigado, já fora do carro deu uma volta e retribuiu, Boa noite para si também, e boa viagem, ainda não tinha acabado de dar a minha gargalhada interior, e surpreendentemente ouviu-se, Obrigado pelo seu silencio, não imagina como é bom pensarmos que conseguimos passar despercebidos, foi uma viagem muito agradável, boa noite.

Omiti o seu nome, por razões obvias, quem teve atento, decerto perceberá de quem se trata.

15 de janeiro de 2007

Regras de utilização

Hoje vou-vos falar de regras, não, não pensem que são regras de transito, porque essas nem já eu sei.
As regras que vos quero dar a conhecer, são apenas 10, só que são fundamentais para uma boa compreensão entre cliente e Motoristas de táxi, sejam eles simpáticos, faladores, embirrantes, detestáveis ou simplesmente o exemplo da classe.
Espero que as entendam, e que as ponham em pratica.

1º Não bater com a porta do carro (os carros custam dinheiro, e depois aquela pequena porta não é o portão da quinta)

2º Não fazer esperar o táxi (os pobres coitados precisam de ganhar a vida, há mais serviços á espera)

3º Não pedir facturas (elas estão lá, mas custam dinheiro e depois para que querem as facturas?)

4º Não ensinar o caminho ao taxista (ele é que sabe, afinal é a vida dele)

5º Não deixar as criancinhas porem os pés nos bancos (eles é que vão ter que limpar, não são vossos criados)

6º Não apanhar um táxi se o serviço for curto (foi para isso que se fizeram os passeios, para as pessoas andarem)

7º Quando sair do táxi, não empurre as portas com os pés (lá em casa também dão coices nas portas?)

8º Nunca chamar a atenção do estado de higiene do carro (não foi o taxista que sujou, quem suja é quem limpa)

9º Dar sempre gratificação ( a vida está má e o que se ganha é pouco)

10º Nunca trazer animais de estimação (um táxi não é um jardim zoológico)


Estes factos, caracterizam a importância da relação entre cliente e motorista, foram feitos testes científicos entre os mais de 8000 táxis deste país, chegou-se á conclusão que os clientes são exigentes de mais e que deveriam pagar o dobro da bandeirada.

14 de janeiro de 2007

A ver o mar

Domingo, dia de descanso, almoço em Peniche com as minhas mulheres, um dia onde a névoa não se dissipou completamente, na Nau dos Corvos ouvia-se a bezerra do farol, ao largo uma pequena embarcação de pesca regressa a terra, olho para onde o meu instinto diz que é a ilha das Berlengas, lembro-me das inúmeras viagens que fiz, “Cabo Avelar Pessoa”, era o barco que nos levava, ó tempo volta para trás… de volta a terra, e no imenso areal que se estende desde Peniche até à ilha do Baleal, os surfistas num ritmo frenético, um após outro, tentam apanhar a melhor onda, a ondulação grande e irregular não lhes dá tréguas, aventuro-me a ir á beira mar e a molhar os pés, fria, muito fria, 10º talvez.
Ilha do Baleal, bonita como sempre, a estrada de acesso só permite um sentido de cada vez, a areia fina levantada pelo vento fez com que fecha-se o vidro, no ponto mais alto da ilha, saio para poder respirar a brisa marítima, é pura e fresca, cheira a mar, como que a tentar guardar aquele odor, entrei dentro do carro, depressa desapareceu.
Ao fundo, a luz do dia está a ficar cada vez mais ténue, lembra que é hora de regressar a casa, acabou-se o descanso de Domingo.

13 de janeiro de 2007

Apitalelas

Uma chamada cai no carro, atendo, num modo alegre e educado, digo: táxis, muito bom dia, faça o favor de dizer…, acredito que a primeira impressão deixada ao cliente dá gratificações, gorjas como a maioria diz. Do outro lado uma voz feminina, pediu um táxi para uma rua perto e encarregou-se de dizer para onde queria ir, vai para o hospital, provavelmente para as visitas que começam ao meio-dia.
Chegado á tal rua, aguardo que o cliente desça, raramente já cá estão á nossa espera, irrita-me solenemente esta atitude, não percebo como é que se chama um táxi sem estar pronto para o fazer.
Não fosse eu o tal simpático e a esta altura já estava com a mão colada á buzina, mas como sou paciente aproveito o palito ali guardado para estas ocasiões e canto da boca com ele, qual marialva á espera de melhores dias.
Passaram 30 segundos, uma verdadeira eternidade, raios parta a “gaja” que não se despacha, tenho mais que fazer e esta não há meio de vir, afinal a minha tolerância é igual á dos outros, a simpatia nesta altura já vai pelo Tejo abaixo, não resisto mais e vai de dar a primeira apitadela, mão colada no centro do volante e um longo apito, mais alguns segundos e nova apitadela, não sei se passou mais que um minuto, no entanto estou a ficar desesperado.
Com ar aflito e preocupado lá vem a senhora em passo acelerado, comprometida talvez pelo espalhafato que o táxi estava a fazer, olhe desculpe, mas o elevador estava ocupado, não faz mal disse-lhe temos tempo, ficou a olhar para mim, estava á espera de todas as reacções menos desta, verdade seja dita, até eu fiquei baralhado.
Afinal se não faz mal e se temos tempo porque somos tão impacientes quando as pessoas não aparecem logo?

Sábado


Manhã de sábado algo complicada, passaram três horas desde que comecei a trabalhar, se ouve movimento, notou-se apenas nas folhas das arvores que escolheram o dia ensolarado para dançarem ao ritmo da musica, musica que se faz ouvir dos carros ali estacionados. Sábado é dia de limpezas, uns batem tapetes, outros tratam de lavar os carros, há sempre quem diga o que envergonha qualquer um… “ó pá olha que com água também se lavam os carros”, todos o fazemos, molhamos o pano e vai de tirar o que o dia e a noite se encarregou de deixar na chapa amarelada, bege marfim, o nome pomposo que arranjaram para a cor dos táxis. O pano já sujo e completamente entranhado de pó, é lavado num balde que um qualquer trouxe de casa, o sol brilha e deixa perceber que os vidros pelo lado de dentro estão cheios de dedadas, hora de agarrar numa folha do 24 horas, do dia anterior e começar a limpar.

11 de janeiro de 2007

Saltos Altos


Dois corpos bamboleantes aproximam-se, depressa percebi a origem dos cabelos negros, tão negros como uma noite sem luar, roupas espampanantes e completamente inadequadas para o frio que fazia, uma delas fazia questão que o seu grande decote se fizesse notar, a outra mais discreta, lá no alto dos seus imensos saltos, movia-se lenta e sensualmente, dava passos seguros, parecia o que aqui no Ribatejo chamamos um “cavalo de cortesias”.
È boa e pisa bem, pensei.
Abriram a porta de trás e sentaram-se as duas, o carro foi invadido por um perfume fabuloso, com uma voz doce e simpática e num Brasileiro perfeito uma delas disse, oi prá kikas por favor. Kikas é um bar de alterne que vai alternado como casa de prostituição, para além disso é o mais procurado cá da zona.
Não que não me tenha logo apercebido o que eram, e para onde iam, mas há sempre uma esperança que não sejam mulheres da noite, acompanhantes como gosto de lhes chamar.
A dos cabelos negros recebeu uma chamada, pela conversa devia de ser o marido ou namorado, mete-me impressão como lidam com a situação, o facto de fazerem o que fazem e aceitarem aquilo tudo naturalmente, faz com que me sinta envergonhado. Chamada terminada e depois de comentarem o que “Juacir” fazia ao dinheiro que ela ganhava, começaram com uma conversa, que para mim era impensável de ouvir sentado no banco de um táxi.
A sua já subiu? sinceramente, ouvi e fiquei a pensar o que raio seria aquilo, iche, nem me fale, tá subindo hoje ou amanhã, cê já viu… 4 dias sem trabalhar…. que caralho esse viu… assim sem mais nem menos, o palavreado, nem me beliscou minimamente, é frequente utilizarem disto e pior, com o tempo acostumamo-nos, só que continuei sem perceber o que estava para subir, moço dá pra dar uma paradinha na farmácia? claro que sim respondi, obrigado meu bem… mais uma expressão utilizada frequentemente, eu gosto de a ouvir e não conheço ninguém que tenha reclamado.
Cê vai fazer o quê minina? Ora, vou lá comprar …. (percebi depois que se tratava de uns comprimidos) qué isso, cê tá louca? num esquenta não… são apenas 4 dias. Estava completamente atordoado com a conversa, em vez de acelerar, travava, queria ouvir a conversa e perceber o que iria subir.
num vou ficar sem trabalha esse tempo todo, preciso de descola essa grana viu? moço sorte a sua né… sorte ? que sorte? perguntei, essa de num ter menstruação, é foda memo…
Afinal o que supostamente devia subir e descer, não era mais que a menstruação, fiquei completamente parvo a olhar para elas, falavam de uma coisa intima abertamente e sem qualquer problema, estou, ou estamos muito atrasados em relação a este povo, qualquer conversa que tenham, fazem-no sem problema, não há tabus.
Os comprimidos que queria comprar, eram para retardar a “subida” a amiga conseguiu com que não os comprasse.

10 de janeiro de 2007

Peço-lhe muita desculpa…


Praça de táxis do hospital, chuva, miudinha mas que incomoda, olho pelo espelho lateral, um pobre homem numa cadeira de rodas, barba por fazer e roupas simples, movimentos acelerados, chegou rapidamente ao carro, na boca um cigarro apagado, tive dificuldade em percebe-lo.
Pediu para o levar a casa, após algum esforço lá se conseguiu sentar, tinha um corpo magro e um cheiro incomodativo, sinal que descura a higiene. Fui colocar a cadeira na mala do carro e o cheiro acentuou-se, reparei que estava húmida, pensei que fosse da chuva que estava a cair, mas depressa percebi que era realmente urina, tentei nem pensar que se tinha acabado de sentar, coloquei a cadeira na mala do carro com o máximo de cuidado para que não entrasse em contacto aquela humidade. De volta ao carro, o cheiro nauseabundo fez com que não conseguisse olhar para ele, sem o enfrentar perguntei-lhe para onde ia, numa voz rouca, e quase imperceptível lá me disse que era para o Vale de Santarém, que martírio, pensei, 8 kms a ter que aguentar aquele cheiro. Pelo caminho e a tentar aliar-me do odor, com ajuda do vidro que levava aberto, interroguei-me como é possível alguém chegar a este ponto, o mínimo que devia fazer era lavar-se, custava assim tanto?
Chegados ao Vale de Santarém indicou-me para onde devia ir, numa estrada velha de maquedame, via-se ao fundo uma barraca, foi para lá que o levei, via-se um amontoado de coisas velhas a fazer de telhado, as paredes com umas ripas velhas, deixavam perceber que por ali o frio entrava sem pedir licença. Parei o carro o mais próximo da porta, com humildade perguntou-me quanto devia, respondi-lhe, e com alguma dificuldade foi ao bolso das calças retirar o dinheiro, uma nota de 5 euros amarrotada e algumas moedas, era o dinheiro que tinha, o bastante para pagar o táxi, pagou e pediu-me gentilmente para ir buscar a cadeira, não precisava de o ter feito, mas fez questão disso.
Com a mesma dificuldade que teve em entrar, lá conseguiu sair, fiquei a segurar a cadeira para que fosse mais fácil sentar-se, assim que consegui, espreitei para o banco, aquilo que mais temia, aconteceu, uma enorme mancha no tecido preto, antes que tivesse tempo de pensar alguma coisa, veio um "peço-lhe muita desculpa…" o que é que se diz perante um situação destas? acredito que lhe tenha custado tanto a admitir a sua culpa, como me iria custar a mim a limpar, não consegui dizer nada, apenas fiz um movimento com os ombros, sinal para que ficasse descansado, ouviu-se mais uma vez, peço-lhe muita desculpa…
Entrei dentro do carro, dei meia volta e vim para Santarém, fui lavar o carro para que o cliente seguinte, não percebesse o que se tinha passado.

9 de janeiro de 2007

Dia cinzento


Que dia mais cinzento, de todos os serviços, não consegui aproveitar um que fosse, ainda tentei que a velha senhora do Largo de Marvila me servisse de inspiração, mas hoje até ela vinha cabisbaixa, ainda esbocei um sorriso na tentativa de a animar, como não deu resultado, atirei com um, tá frio ó Dona Isabel, olhou para mim como a pedir-me para não falar muito e apenas comentou, tá tá é altura dele, levei-a onde me pediu, percebo quando as pessoas não estão para nos aturar
A ameaça constante de chuva, afinal não se concretizou, da parte da tarde e depois de algumas voltas, curtas, e como não havia melhoramentos, resolvi ir cortar o cabelo.
Olhei lá para dentro e vi que as duas cadeiras estavam vazias, boa altura para ter vindo, pensei, entrei e lá estavam as meninas que me cortam o cabelo, uma delas, a proprietária, a minha preferida para me cortar o cabelo estava sentada ao fundo num cadeirão de verga, lia uma revista cor de rosa, a outra, a empregada estava de pé junto á caixa registadora, assim que entrei e como que tivesse molas dirigiu-se a mim com uma "boa tarde" e indicando-me de seguida a cadeira para me sentar. Gosto mais que seja a Maria a cortar-me o cabelo, corta melhor, mas em contrapartida a Teca e no fim do corte, faz uma massagem no couro cabeludo que é de irmos ao céu. Assim foi, sentei-me onde me indicou, ao fim de algum tempo a utilizar a tesoura e o pente e como a quantidade cortada já indicava algum melhoramento, disse-lhe que era suficiente, deu os últimos retoques e mandou-me passar para a cadeira ao lado.
Começou então o descanso do guerreiro, entre o vaivém dos dedos entrelaçados nos cabelos, e o escorregar na cadeira, consegui relaxar o suficiente para quase adormecer, lá muito ao longe ouvia o rádio a tocar, nem consegui perceber que musica era. Já está, pode-se levantar… acho que passei pelas brasas, passei novamente para a primeira cadeira, depois de sabiamente me ter secado a cabeça, perguntou, quer pôr alguma coisa? Gel ou laca? não, vai mesmo assim, respondi-lhe.
De volta á rua, de volta ao trabalho, mais umas corridas, mais umas viagens.
Dia cinzento este…

8 de janeiro de 2007

A ver o comboio passar

Hoje, foi só para rir.
A porta de trás abriu-se, uma verdadeira princesa como diria o gajo das galinhas, aquele lá de Barrancos…
Que bela mulher, num segundo deu para perceber que tinha um corpo voluptuoso daqueles que dá vontade de começar a salivar, uns olhos azuis turquesa lindos numa cara igualmente bonita, a pele lisa e sem qualquer ruga fazia lembrar a cara de um bebé, suave e macia.
Bons dias da parte de lá, e bons dias da parte de cá, nesta troca de boas vindas e ao olhar com mais atenção, reparei que o tal segundo de avaliação tinha-se tornado fatal, a pele lisa não era mais que uma forte camada de reboco, não conheço nenhum pedreiro que conseguisse utilizar a talocha com tanta exactidão.
Para a estação, sabe se ainda consigo apanhar o comboio?
Olhei para o relógio, marcava 9h33 m, aquela hora, há comboios de 10 em 10 minutos.
Com uma mulher interessante dentro do carro, há sempre motivo de conversa, quando não há inventa-se… dei um sorriso e descontraidamente disse-lhe:
Olhe os das 9 já passou mas se me disser para onde quer ir, talvez ainda consiga telefonar ao maquinista.
Cum catano…
Estalou o verniz e o reboco.
Se quiser responder, faça favor, se não sabe então cale-se, e faça só o seu trabalho.
É nestas alturas que devia haver uma autorização para bater a gente parva.
Minha senhora, como é que lhe podia dar essa informação se nem sequer me disse para onde queria ir?
Claro que lhe disse, perguntei-lhe se ainda conseguíamos apanhar o comboio para Lisboa.
Como entretanto estávamos a chegar á estação e ainda o dia estava no inicio, cedo, para me estar a chatear, preferi não lhe dar mais conversa, ela pagava-me eu ia á minha vida e adeus até outro dia.
Assim que chegámos á estação, conseguiu ver que na linha que corresponde a Lisboa estava um comboio em marcha, para meu azar a ir-se embora.
Se o senhor tivesse feito o seu trabalho como deve ser e não tivesse armado em esperto, eu tinha conseguido apanhar o comboio.
Saiu do carro, não pagou e ainda me bateu com aporta com uma força que ainda agora tenho os ouvidos a zunir.

Todo este teatro foi para não pagar o táxi, disto e pior acontece com frequência, qualquer um pode interrogar-se porque não fui eu atrás da senhora, não fui porque qualquer pessoa que me visse a discutir com ela não me daria razão, e o único comentário que fariam era:
Taxistas…

Um dia destes seremos respeitados.

Inicio da semana, e que inicio...

Já a trabalhar, ouço o primeiro noticiário do dia. TSF, 7h.30m, Táxis de Lisboa só vão poder trabalhar 6 dias por semana para reduzir as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.
Mas o que é que é isto ? Num sector onde mal ganhamos para o sustento da casa e mal conseguimos pagar os impostos cada vez mais altos, querem-nos por a trabalhar menos.... É de loucos isto... concordo plenamente que as emissões de CO2 sejam reduzidas, mas por favor meus senhores comecem por inviabilizar esses Machibombos que as empresas de camionagem trazem de lá de fora, já com 20 anos, esses sim autênticos poluidores do ambiente. Organizem-se!!

Conheço alguém que neste momento diria:
Socialismo em Portugal é: Tirar o direito ao trabalho e á produtividade.

7 de janeiro de 2007

FUI DE FIM DE SEMANA

6 de janeiro de 2007

Salgueirinha

Eram... 11.54, estava em segundo lugar da fila, e após uma breve e ligeira discussão com o mal amado Vladimir, Ucraniano de nascimento e a viver por cá vai para 6 anos, e depois de uma troca de palavras, fui-me sentar dentro do carro para que a ligeira discussão não passasse disso mesmo.
Não passaram 2 minutos que não aparecessem duas mulheres e um rapazito, o miúdo, loiro e de cara franzina, 6 anos talvez... via-se no seu olhar e modos que era traquinas a sua irreverência fez com que sua mãe logo lhe chamasse a atenção, "tá sessegado rapá, tás cum estalo na tarda nada" , sotaque Alentejano..., automaticamente pensei que dali era coisa boa.
A mãe, mulher nova, vestida com roupa de bairro com a mala pelo braço, dirigiu-se ao meu colega deixando a outra para trás. Dei comigo a escutar o que diziam. Abri o vidro do meu lado direito para que as vozes chegassem com mais clareza, ouvi ou li nos lábios da mulher, "Coruche" , eu não disse? lá vem mais um daqueles que safa a manhã... continuei a tentar ouvir o desenrolar da conversa, chegando ao ponto de quase me deitar no banco do carro para não perder nada de importante, "Sinhor quanto custa uma viage pra Coruche" repetiu ela, o Ucraniano estava cheio de sorte, pensei eu... e claro está, eu cheio de azar. Vladimir por não saber ou pelo simples facto que a queria enganar, pediu-lhe 60€, a mulher fez cara de caso e perguntou-lhe, ó senhor quanto é qué isso em dinheiro português? 12 contos respondeu ele, 12 contos ??? que grande interrogação ela fez, ri-me mas como podia não ter percebido a conversa toda esperei no que ia dar. Ele, para não dar parte fraca e dar a entender que era conhecedor do assunto e que jamais se enganaria no preço, disse-lhe... claro senhora, Coruche é muito longe, é tanto como ir a Lisboa, a mulher não convencida virou-lhe as costas e virando-se para a outra, perguntou-lhe "sogra o home diz que é 12 contos, vamos ?" a bem dita sogra fez o que era de esperar, com os olhos semi abertos e rosto cheio de sofrimento, depressa se fez ouvir, "12 contos é a minha reforma, ele tá mas é doido esperamos pelas camineta das 6 horas" , ri-me, afinal o Ucraniano já não ia a Coruche... elas voltaram-lhes as costas e naturalmente passaram pelo meu carro.
Estava meio sentado meio deitado, e quando passaram perto do vidro … olhe senhora? Desculpe lá estar a meter-me no assunto, mas a senhora quer ir para onde? Com ar de desconfiança e olhando a maneira como eu estava sentado, franziu o sobrolho com ar ameaçador, pendurou o beiço e numa só frase disse: “pra Coruche, mas vou de camioneta” como estava a aperceber-me que a mulher já não queria ouvir mais nada nem ninguém, tive que sair do carro apressadamente e ir ao seu encontro. Já no passeio fiquei de frente para ela, como era bem mais pequena que eu tive que fazer um movimento com a cabeça que mais parecia que tinha deixado cair qualquer coisa, entretanto o Vladimir tinha ido á sua vida e eu estava como queria.
Insisti com ela e disse-lhe logo que o meu colega, aquele malandro de Ucraniano não era coisa boa e que não percebia nada do assunto e que já várias pessoas se tinham queixado dos seus preços, com um ar de gozo e ao mesmo tempo de sabedoria, virou-se para a sogra e disse-lhe… “tá a ver, estes malandros querem é roubar” a sogra encolheu os ombros e no meio da respiração soltou um “é” que é como quem diz é tudo farinha do mesmo saco. Não podia perder esta batalha e resolvi e perguntar-lhe outra vez para onde queria ir, desta a vez a resposta foi positiva, “pra Coruche”, ainda ela não tinha acabado de falar já eu lhe estava a mandar com 35€ para os ouvidos, no seu ar trigueiro e de mulher de campo como que me a desafiar, perguntou-me, “mas voce mecê sabe onde é Coruche?” claro que sei respondi, ando aqui á tantos anos não havia de saber… “então e a Salguerinha?” perguntou! Sem fazer a mais pequena ideia, respondi-lhe: claro que sei, é depois de Coruche, dizem que a sorte protege os audazes… pois é respondeu ela, nisto virou-se para a sogra, “e sa gente fosse mas é embora? a camineta é só ás 6 e temos ca ainda almoçar?” o sacana do cachopo que tinha vindo á cidade e que até estava a gostar de ver os pombos que por ali andam, disse: “eu cá augento-me sem comer” a sogra, como era ela que pagava foi directa ao assunto, “atão mas afinal quanto é que custa a viagem?” como não podia dizer o preço, porque não sabia onde era a Salgueirinha, hesitei ali um pouco e foi o suficiente para ela me dizer que os de Coruche lhe levavam á volta de 10€ para a porem em casa, estava encontrado o preço para a Salgueirinha, á volta de 45€, mais coisa menos coisa disse-lhe, olhou para a nora e num movimento com a cabeça disse que sim, a velhota com o seu ar de sofrimento deu um passo em frente e atirou para o ar “40€ e vamos embora?” , disse-lhe que não podia ser porque era muito longe e que o outro lhe tinha pedido 60€ e eu já lhe estava a fazer um bom desconto, aquilo pareceu-lhe bem e veio então aquilo porque eu espera “ó home vamos lá que estamos aqui a criar bicho”.
Lá se meteram todos os três no carro e para minha má sorte o reguila sentou-se mesmo atrás do meu banco, a cada segundo um pontapé, a cada curva parecia ele que andava de escorrega e a mãe que até aqui me parecia ser uma mãe severa, nada dizia, o que parecia ser um fim de manhã perfeito estava a tornar-se um verdadeiro problema.
Já a viagem ia longa, e eu completamento farto de levar pesadas nas costas e puxões no banco, tive a infeliz ideia de dizer devagar e com bons modos: olha, não me puxes o banco para trás nem me dês mais pontapés no banco porque posso eu distrair-me e depois é um problema, ainda nos acontece alguma, silencio absoluto dentro do carro, 2 ou 3 segundos passados e pumba, que grande galheta que o reguila levou, “já te tinha avisado para parares quieto” se disse eu não ouvi, mas como iam as duas a falar como umas desalmadas e a dizer mal de uma das vizinhas acredito que não lhe tenha dito nada.
O Zé, o nome do miúdo, aguentou-se que nem um herói, e nem um som se ouviu daquela boca, ainda agora me dói a mim o enorme estalo que a mãe lhe deu, mas bravo que nem um leão, virou-se para a mãe, “na doeu”, eu arrependido de ter dito para ele parar quieto a mãe com aquela reacção e ele agora em vez de estar calado, vai-me dizer aquilo, tumba e tumba mais 2 grandes estalos, onde é que isto vai parar pensei eu. Para sorte minha ou dele, já nem sei, até chegar a casa não abriu mais a boca.
Chegados a Salgueirinha, a velhota com uma enorme calma e como não se tivesse passado nada , disse-me, agora e depois de passar aquele poste da luz corta á esquerda na serventia de terra batida e sobe até ao monte. Olha olha, pensei, agora vou andar com o carro por terras de cabras, na altura não me apercebi mas depois fez-se luz, estava no fim do distrito de Santarém e a chegar a terras Alentejanas, daí o “monte”. Lá me foi indicando o caminho, e quando eu menos esperava, estava dentro do “monte”, umas casas velhas ao fundo onde me foi indicado para parar, parei e marcava 42,30€, apressei-me a dizer o valor a pagar e mais depressa ela me disse que eu lhe tinha dito que eram 40€, para quê estar a embirrar com a velhota? que se lixe pensei, seja então os 40€, deu-me uma nota das grandes, das verdes, dei-lhe o troco agradeci e desejei-lhe um bom ano, saíram os três retribuíram os votos de um bom ano e que tivesse uma boa viagem.

Regressei a pensar no “Zé” e em como encaixou aqueles 3 estalos que a mãe lhe deu, regressei arrependido por ter dito que ele me estava a incomodar.
Regressei …. e se fosse agora não tinha ido.

Ao Zé que provavelmente nunca mais me cruzarei com ele, um grande abraço.


5 de janeiro de 2007

Hoje, aqui e para sempre

Nunca tinha tido necessidade de ter um Blog, mas hoje ao ser confrontado com a ideia, resolvi criar o meu espaço.
Irei aqui relatar entre outras coisas o meu dia a dia, quem me conhece sabe qual a minha vida profissional, aos outros espero que a consigam compreender e que a achem tão nobre quanto eu.
Todos os dias, virei aqui destacar uma pessoa relacionada com o meu trabalho, que pela positiva ou pela negativa me tenha marcado, essa pessoa será a ponte para o sucesso deste Blog, espero que gostem.