11 de janeiro de 2007

Saltos Altos


Dois corpos bamboleantes aproximam-se, depressa percebi a origem dos cabelos negros, tão negros como uma noite sem luar, roupas espampanantes e completamente inadequadas para o frio que fazia, uma delas fazia questão que o seu grande decote se fizesse notar, a outra mais discreta, lá no alto dos seus imensos saltos, movia-se lenta e sensualmente, dava passos seguros, parecia o que aqui no Ribatejo chamamos um “cavalo de cortesias”.
È boa e pisa bem, pensei.
Abriram a porta de trás e sentaram-se as duas, o carro foi invadido por um perfume fabuloso, com uma voz doce e simpática e num Brasileiro perfeito uma delas disse, oi prá kikas por favor. Kikas é um bar de alterne que vai alternado como casa de prostituição, para além disso é o mais procurado cá da zona.
Não que não me tenha logo apercebido o que eram, e para onde iam, mas há sempre uma esperança que não sejam mulheres da noite, acompanhantes como gosto de lhes chamar.
A dos cabelos negros recebeu uma chamada, pela conversa devia de ser o marido ou namorado, mete-me impressão como lidam com a situação, o facto de fazerem o que fazem e aceitarem aquilo tudo naturalmente, faz com que me sinta envergonhado. Chamada terminada e depois de comentarem o que “Juacir” fazia ao dinheiro que ela ganhava, começaram com uma conversa, que para mim era impensável de ouvir sentado no banco de um táxi.
A sua já subiu? sinceramente, ouvi e fiquei a pensar o que raio seria aquilo, iche, nem me fale, tá subindo hoje ou amanhã, cê já viu… 4 dias sem trabalhar…. que caralho esse viu… assim sem mais nem menos, o palavreado, nem me beliscou minimamente, é frequente utilizarem disto e pior, com o tempo acostumamo-nos, só que continuei sem perceber o que estava para subir, moço dá pra dar uma paradinha na farmácia? claro que sim respondi, obrigado meu bem… mais uma expressão utilizada frequentemente, eu gosto de a ouvir e não conheço ninguém que tenha reclamado.
Cê vai fazer o quê minina? Ora, vou lá comprar …. (percebi depois que se tratava de uns comprimidos) qué isso, cê tá louca? num esquenta não… são apenas 4 dias. Estava completamente atordoado com a conversa, em vez de acelerar, travava, queria ouvir a conversa e perceber o que iria subir.
num vou ficar sem trabalha esse tempo todo, preciso de descola essa grana viu? moço sorte a sua né… sorte ? que sorte? perguntei, essa de num ter menstruação, é foda memo…
Afinal o que supostamente devia subir e descer, não era mais que a menstruação, fiquei completamente parvo a olhar para elas, falavam de uma coisa intima abertamente e sem qualquer problema, estou, ou estamos muito atrasados em relação a este povo, qualquer conversa que tenham, fazem-no sem problema, não há tabus.
Os comprimidos que queria comprar, eram para retardar a “subida” a amiga conseguiu com que não os comprasse.

1 comentário:

Anónimo disse...

Claro que há tabus, embora de ordem diferente, mas é verdade o que dizes sobre a informalidade (*) com que se fala de (quase) tudo, além da simplicidade/facilidade de contacto.
A recepcionista, no consultório médico, trata-te pelo primeiro nome enquanto te indica o gabinete, ficas a pensar se é má educação ou simpatia, para logo a seguir seres surpreendido quando o clínico faz exactamente a mesma coisa. Claro que também não precisas de o tratar por Senhor Doutor.

(*) - por vezes a roçar o excesso, para os não iniciados.