6 de janeiro de 2007

Salgueirinha

Eram... 11.54, estava em segundo lugar da fila, e após uma breve e ligeira discussão com o mal amado Vladimir, Ucraniano de nascimento e a viver por cá vai para 6 anos, e depois de uma troca de palavras, fui-me sentar dentro do carro para que a ligeira discussão não passasse disso mesmo.
Não passaram 2 minutos que não aparecessem duas mulheres e um rapazito, o miúdo, loiro e de cara franzina, 6 anos talvez... via-se no seu olhar e modos que era traquinas a sua irreverência fez com que sua mãe logo lhe chamasse a atenção, "tá sessegado rapá, tás cum estalo na tarda nada" , sotaque Alentejano..., automaticamente pensei que dali era coisa boa.
A mãe, mulher nova, vestida com roupa de bairro com a mala pelo braço, dirigiu-se ao meu colega deixando a outra para trás. Dei comigo a escutar o que diziam. Abri o vidro do meu lado direito para que as vozes chegassem com mais clareza, ouvi ou li nos lábios da mulher, "Coruche" , eu não disse? lá vem mais um daqueles que safa a manhã... continuei a tentar ouvir o desenrolar da conversa, chegando ao ponto de quase me deitar no banco do carro para não perder nada de importante, "Sinhor quanto custa uma viage pra Coruche" repetiu ela, o Ucraniano estava cheio de sorte, pensei eu... e claro está, eu cheio de azar. Vladimir por não saber ou pelo simples facto que a queria enganar, pediu-lhe 60€, a mulher fez cara de caso e perguntou-lhe, ó senhor quanto é qué isso em dinheiro português? 12 contos respondeu ele, 12 contos ??? que grande interrogação ela fez, ri-me mas como podia não ter percebido a conversa toda esperei no que ia dar. Ele, para não dar parte fraca e dar a entender que era conhecedor do assunto e que jamais se enganaria no preço, disse-lhe... claro senhora, Coruche é muito longe, é tanto como ir a Lisboa, a mulher não convencida virou-lhe as costas e virando-se para a outra, perguntou-lhe "sogra o home diz que é 12 contos, vamos ?" a bem dita sogra fez o que era de esperar, com os olhos semi abertos e rosto cheio de sofrimento, depressa se fez ouvir, "12 contos é a minha reforma, ele tá mas é doido esperamos pelas camineta das 6 horas" , ri-me, afinal o Ucraniano já não ia a Coruche... elas voltaram-lhes as costas e naturalmente passaram pelo meu carro.
Estava meio sentado meio deitado, e quando passaram perto do vidro … olhe senhora? Desculpe lá estar a meter-me no assunto, mas a senhora quer ir para onde? Com ar de desconfiança e olhando a maneira como eu estava sentado, franziu o sobrolho com ar ameaçador, pendurou o beiço e numa só frase disse: “pra Coruche, mas vou de camioneta” como estava a aperceber-me que a mulher já não queria ouvir mais nada nem ninguém, tive que sair do carro apressadamente e ir ao seu encontro. Já no passeio fiquei de frente para ela, como era bem mais pequena que eu tive que fazer um movimento com a cabeça que mais parecia que tinha deixado cair qualquer coisa, entretanto o Vladimir tinha ido á sua vida e eu estava como queria.
Insisti com ela e disse-lhe logo que o meu colega, aquele malandro de Ucraniano não era coisa boa e que não percebia nada do assunto e que já várias pessoas se tinham queixado dos seus preços, com um ar de gozo e ao mesmo tempo de sabedoria, virou-se para a sogra e disse-lhe… “tá a ver, estes malandros querem é roubar” a sogra encolheu os ombros e no meio da respiração soltou um “é” que é como quem diz é tudo farinha do mesmo saco. Não podia perder esta batalha e resolvi e perguntar-lhe outra vez para onde queria ir, desta a vez a resposta foi positiva, “pra Coruche”, ainda ela não tinha acabado de falar já eu lhe estava a mandar com 35€ para os ouvidos, no seu ar trigueiro e de mulher de campo como que me a desafiar, perguntou-me, “mas voce mecê sabe onde é Coruche?” claro que sei respondi, ando aqui á tantos anos não havia de saber… “então e a Salguerinha?” perguntou! Sem fazer a mais pequena ideia, respondi-lhe: claro que sei, é depois de Coruche, dizem que a sorte protege os audazes… pois é respondeu ela, nisto virou-se para a sogra, “e sa gente fosse mas é embora? a camineta é só ás 6 e temos ca ainda almoçar?” o sacana do cachopo que tinha vindo á cidade e que até estava a gostar de ver os pombos que por ali andam, disse: “eu cá augento-me sem comer” a sogra, como era ela que pagava foi directa ao assunto, “atão mas afinal quanto é que custa a viagem?” como não podia dizer o preço, porque não sabia onde era a Salgueirinha, hesitei ali um pouco e foi o suficiente para ela me dizer que os de Coruche lhe levavam á volta de 10€ para a porem em casa, estava encontrado o preço para a Salgueirinha, á volta de 45€, mais coisa menos coisa disse-lhe, olhou para a nora e num movimento com a cabeça disse que sim, a velhota com o seu ar de sofrimento deu um passo em frente e atirou para o ar “40€ e vamos embora?” , disse-lhe que não podia ser porque era muito longe e que o outro lhe tinha pedido 60€ e eu já lhe estava a fazer um bom desconto, aquilo pareceu-lhe bem e veio então aquilo porque eu espera “ó home vamos lá que estamos aqui a criar bicho”.
Lá se meteram todos os três no carro e para minha má sorte o reguila sentou-se mesmo atrás do meu banco, a cada segundo um pontapé, a cada curva parecia ele que andava de escorrega e a mãe que até aqui me parecia ser uma mãe severa, nada dizia, o que parecia ser um fim de manhã perfeito estava a tornar-se um verdadeiro problema.
Já a viagem ia longa, e eu completamento farto de levar pesadas nas costas e puxões no banco, tive a infeliz ideia de dizer devagar e com bons modos: olha, não me puxes o banco para trás nem me dês mais pontapés no banco porque posso eu distrair-me e depois é um problema, ainda nos acontece alguma, silencio absoluto dentro do carro, 2 ou 3 segundos passados e pumba, que grande galheta que o reguila levou, “já te tinha avisado para parares quieto” se disse eu não ouvi, mas como iam as duas a falar como umas desalmadas e a dizer mal de uma das vizinhas acredito que não lhe tenha dito nada.
O Zé, o nome do miúdo, aguentou-se que nem um herói, e nem um som se ouviu daquela boca, ainda agora me dói a mim o enorme estalo que a mãe lhe deu, mas bravo que nem um leão, virou-se para a mãe, “na doeu”, eu arrependido de ter dito para ele parar quieto a mãe com aquela reacção e ele agora em vez de estar calado, vai-me dizer aquilo, tumba e tumba mais 2 grandes estalos, onde é que isto vai parar pensei eu. Para sorte minha ou dele, já nem sei, até chegar a casa não abriu mais a boca.
Chegados a Salgueirinha, a velhota com uma enorme calma e como não se tivesse passado nada , disse-me, agora e depois de passar aquele poste da luz corta á esquerda na serventia de terra batida e sobe até ao monte. Olha olha, pensei, agora vou andar com o carro por terras de cabras, na altura não me apercebi mas depois fez-se luz, estava no fim do distrito de Santarém e a chegar a terras Alentejanas, daí o “monte”. Lá me foi indicando o caminho, e quando eu menos esperava, estava dentro do “monte”, umas casas velhas ao fundo onde me foi indicado para parar, parei e marcava 42,30€, apressei-me a dizer o valor a pagar e mais depressa ela me disse que eu lhe tinha dito que eram 40€, para quê estar a embirrar com a velhota? que se lixe pensei, seja então os 40€, deu-me uma nota das grandes, das verdes, dei-lhe o troco agradeci e desejei-lhe um bom ano, saíram os três retribuíram os votos de um bom ano e que tivesse uma boa viagem.

Regressei a pensar no “Zé” e em como encaixou aqueles 3 estalos que a mãe lhe deu, regressei arrependido por ter dito que ele me estava a incomodar.
Regressei …. e se fosse agora não tinha ido.

Ao Zé que provavelmente nunca mais me cruzarei com ele, um grande abraço.


6 comentários:

Anónimo disse...

Primeiro de tudo é sempre bom ter um blog de um amigo on line onde podemos ler e rir com algumas histórias…

De seguida bela história de gente de Coruche, tiveste sorte da velha não dizer que tinhas dito 35 Euros…8o)
Quanto ao Pobre do Zé…infelizmente calhou-lhe as ditas lambadas, disse que não doeu a primeira, mas as outras Duas devem ter doido, pois o malandro não o voltou a dizer…educação? Excesso dela? Quem sabe, o que é certo que ficou calado…

Um grande abraço amigo


Paulo alvalade

Anónimo disse...

Meu Caro Luis Alexandre,
Parabéns pelo excelente texto e, também pela brilhante ideia.

Os textos serão muito mais que um diàrio. O facto de pretenderes retratar momentos e situações vividas com homens e mulheres que te passam diàriamente "pelas mãos", darà certamente ao teu blog, um perfume e sabor com dignidade humana.

Bem hajas e longa vida ao "Vaiderastos"

Anónimo disse...

Gostei da condução e virei viajar mais vezes contigo.
Parabéns.
Abraço
Arp

Anónimo disse...

Boa malha.
Sabia que tocavas guitarra, mas não sabia que eras taxista !
gostei desta historia , manda outras !

Unknown disse...

Estou à espera da segunda história, porque desta gostei imenso.
Coruche é a terra onde a minha irmã nasceu, quase por acaso, mas ainda hei-de perguntar à minha mãe se conhece a Salgueirinha...
Eu não sabia qual era a tua profissão mas já deu para perceber.
Terás de certeza muitas e muitas histórias para partilhares connosco.
Um grande beijo para ti.
Helena. (SempreLeoa)

Elso Lago disse...

Tadito do Zé...

E eu que digo que num hotel se vê de tudo!!